segunda-feira, 27 de dezembro de 2010

Carta de Santarém

Foi publicada a Carta de Santarém, documento que é a voz dos povos pan amazônicos e que traz os anseios e os gritos desses povos, veja a carta abaixo na íntegra:

Carta de Santarém


Temos uma utopia: A construção de um continente sem fronteiras, a Aby- Ayala, terra de muitos povos, iguais em direitos e solidários entre si. Uma terra livre de toda opressão e exploração.

A vida em harmonia com a Natureza é condição fundamental para a existência de Aby-Ayala. A Terra não nos pertence. Pertencemos à ela. A Natureza é mãe, não tem preço e não pode ser mercantilizada.

Compreendemos que Aby-Ayala deva ser construída a partir de estados plurinacionais que substituam o velho estado centralizador, patriarcal e colonial, dando à luz a novas formas de governo, onde a democracia se exerça de baixo para cima, seguindo a máxima do mandar, obedecendo, onde exista um diálogo de saberes e culturas, onde cada povo seja livre para decidir como quer viver.

A participação plena e igualitária das mulheres é uma condição fundamental na construção das novas sociedades. Da mesma forma a proteção integral das crianças, como portadoras do futuro da Humanidade.

A Terra, nossa casa comum, se encontra ameaçada por uma hecatombe climática sem precedentes na história. O derretimento dos glaciares dos Andes, as secas e inundações na Amazônia são apenas os primeiros sinais de uma catástrofe provocada pelos milhões de toneladas de gases tóxicos lançadas na atmosfera e os danos causados à Natureza pelo grande capital, através da mineração descontrolada, a exploração petrolífera na selva e o agronegócio. Tal situação é agravada pelos mega-projetos, integrantes do IIRSA, como são a construção de hidrelétricas nos rios amazônicos e as grandes rodovias que destroem a vida de povos ancestrais, criando novos bolsões de miséria. Para deter este ciclo de morte é necessário defendermos nossos territórios exigindo o imediato reconhecimento e homologação das terras indígenas, titulação coletiva das terras quilombolas e comunidades tradicionais, bem como o pleno direito de consulta livre bem informada e consentimento prévio para projetos com impacto social e ambiental, preservando assim nossa terra, nosso modo de viver e a nossa cultura, defendendo a natureza e a vida.

Defendemos e construímos a aliança entre os povos da floresta, dos campos e das cidades. Fazem parte de nosso patrimônio comum a luta dos camponeses pela terra, os direitos dos pequenos agricultores a assistência técnica, credito barato e simplificado, e os justos reclamos por saúde, educação, transporte e habitação dignas para todos. Lutamos por uma sociedade sem exclusões, com liberdade, justiça e soberania popular. Combatemos no dia-a-dia todas as formas de exploração e discriminação baseadas em gênero, etnia, identidade sexual e classe social. Particularmente nos esforçaremos para superar a invisibilidade da população afrodescendente nas suas lutas e propostas sobre poder, autonomia e território.

A Amazônia Sul-americana possui problemas urbanos extremamente graves, nesse sentido é fundamental lutar pela construção de cidades justas, democráticas e sustentáveis, adequadas as diferentes realidades desta região, contemplando a diversidade dos atores sociais que vivem nessas cidades.

Na Pan-Amazônia, como em toda a América Latina, enfrentamos o militarismo que atua como mediador entre o colonialismo e o imperialismo. Condenamos a utilização das forças militares, corpos policiais, paramilitares e milícias como agentes repressivos das lutas dos povos, bem como os intentos de se utilizar a Justiça para criminalizar os movimentos sociais, a pobreza e os povos indígenas. Denunciamos a presença de tropas norte-americanas na Colômbia e a reativação da IV Frota estadunidense como ameaças à paz no continente. Repudiamos o colonialismo francês na Guiana e apoiamos os esforços de seus povos para alcançarem a independência. Nos manifestamos contra o golpe militar em Honduras e a ocupação militar do Haiti. Da mesma forma protestamos contra as barreiras que procuram impedir a livre circulação dos povos entre nossos países, defendemos o direito dos migrantes de terem uma vida plena e digna no país que escolherem para morar.

Lutamos por construir países apoiados em economias que mantenham a soberania e a segurança alimentar, que desenvolvam alternativas aos modelos predatórios e extrativistas e que tenham na economia solidária e na agroecologia, pilares na edificação do bem estar social. Para nós os saberes ancestrais são fontes de aprendizagem e ensinamento em igualdade de condições com o chamado conhecimento científico; a democratização dos meios de comunicação uma necessidade inadiável; a liberdade de expressão e a apropriação das novas tecnologias um direito de todos; bem como uma educação que estimule o diálogo, os contatos sem barreiras, os dons e talentos individuais e coletivos que dissemine valores humanos, abrindo caminho para a transformação íntima e social.

Reafirmamos nossa identidade amazônida através de nossas múltiplas faces, honrando a tradição e construindo o novo. Fazem parte desta identidade as línguas originais dos nossos povos e seus conhecimentos tradicionais.

Estes são os nossos compromissos. Devemos transformá-los em ação.

LINHAS DE AÇÃO:

Lutar pela produção de outras formas de energia em pequena escala, fortalecendo a autonomia e a autogestão da Amazônia e de suas comunidades;

Realizar campanha pelo reconhecimento, demarcação e homologação das terras indígenas, titulação coletiva das terras quilombolas e de comunidades tradicionais;

Lutar pela titulação de terras aos trabalhadores do campo e da cidade;

Realizar campanhas pela aprovação de leis regulamentando a consulta prévia livre bem informada e consentimento prévio para projetos com impacto social e ambiental nos países Pan-Amazônicos;

Organizar fóruns regionais para troca de conhecimentos e implementação de ações, com organizações de outras regiões, em cada local onde a Mãe Terra esteja sendo agredida, ou ameaçada;

Participar das redes que investigam a ação do Banco Nacional de Desenvolvimento Econômico e Social (Brasil), contribuindo para obstruir os financiamentos a projetos que destroem o meio ambiente;

Promover ações articuladas de denuncia e pressão contra projetos de caráter sub-imperialista do governo brasileiro na Pan-Amazônia;

Unificar as lutas contra a construção de represas hidrelétrica nos rios da Amazônica, em especial as lutas contra Belo Monte, Inambary, Paitzpatango, Tapajós, Teles Pires, Jirau, Santo Antonio e Cachuela Esperanza;

Realizar encontros e marchas denunciando as diversas formas de opressão, como o machismo, racismo e homofobia, e apresentando as soluções propostas pelas organizações e movimentos sociais;

Pensar formas de avançar nos processos de debate e avaliação coletiva, incluindo a elaboração de materiais que possam auxiliar nestes momentos;

Avançar na elaboração de propostas para garantir vida digna a todos os povos da Pan-Amazônia, considerando suas diferenças intra e inter-regionais;

Mobilizar as sociedades civis Pan-Amazônicas, contra as falsas soluções de mercado para o clima, como o REDD;

Desenvolver lutas contra o patenteamento do conhecimento das populações tradicionais, que apenas promovem os interesses das grandes corporações transnacionais;

Mobilizar as organizações contra as estratégias dos governos e das grandes empresas, voltadas à flexibilização da legislação ambiental na Pan-amazônia;

Lutar pelo reconhecimento legal de “territórios livres da mineração” e de outros empreendimentos, nos ordenamentos jurídicos dos países da Pan-Amazônia;

Articular a criação do “Dia da Pan-Amazônia”, onde todas as organizações realizem manifestações e discussões conjuntas, chamando a atenção mundial para os problemas ambientais, sociais, econômicos, culturais e políticos que ocorrem nesta região;

Constituir um centro de comunicação do FSPA, de maneira compartilhada, com a função de interligar os movimentos sociais da Pan-Amazônia, socializar debates e iniciativas de ação;

Divulgar as ações, discussões e resultados do FSPA nas comunidades, através de uma rede de comunicação;

Construir uma presença marcante da Pan-Amazônia na reunião do FSM em Dakar, no Senegal, em fevereiro de 2011;

Inserir o FSPA em redes e articulações que tenham causas comuns;

Realizar o FSPA de dois em dois anos, em países diferentes, com candidaturas antecipadas que deverão ser aprovadas pelas instancias do FSPA.

Santarém, 29 de novembro de 2010



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