domingo, 31 de outubro de 2010

“Senhor, dai pão a quem tem fome e fome de justiça a quem tem pão” – Quando um programa de governo vira um transtorno

Desde 2003 as comunidades de remanescentes de quilombo de Santarém à partir de uma pesquisa realizada pelo Instituto Leônidas e Maria Deane / Fundação Osvaldo Cruz – FIOCRUZ, Manaus – AM onde se identificou um alta taxa de desnutrição em adultos e crianças são atendidas pelo Programa Fome Zero. A FIOCRUZ encaminhou as estatísticas à Fundação Cultural Palmares - FCP e o levantamento do nº de famílias, 518 no total, desses quilombos para serem atendidos com o recebimento de cestas emergenciais de alimentos do Programa Fome Zero. A FCP, por sua vez encaminhou a demanda ao Ministério de Desenvolvimento Social e Combate à Fome – MDS que cadastrou as famílias quilombolas das seis primeiras comunidades quilombolas de Santarém.

O programa consistiria na distribuição das referidas cestas quatro vezes ao ano, divididas em quatro etapas, duas a cada semestre. Começa um sonho que logo se transformaria em um grande pesadelo. Nos dois primeiros anos, 2004 e 2005, a distribuição foi perfeita, à partir de 2006 começaram os atrasos na entrega das cestas... Ah, aqui vale ressaltar para os desinformados que existe uma grande diferença entre “cestas básicas” e “cestas emergencias de alimentos” fornecidas pelo programa. De forma simplicista a primeira possui gêneros alimentícios diversificados para a garantia de uma refeição básica de uma pessoa, já a segunda apenas fornece os gêneros alimentícios quase que indispensáveis, haver: arroz, açúcar, leite, farinha de mandioca, feijão, óleo, macarrão e flocos de milho, essa é a composição das cestas que as comunidades quilombolas recebem até o presente momento.

Segundo o próprio MDS durante a realização da oficina regional da Ação de Distribuição de Alimentos a Grupos Populacionais Específicos que ocorreu de 04 a 05 de junho de 2009, e Belém/PA, a Companhia Nacional de Abastecimento – CONAB é a responsável pela distribuição das cestas de alimentos das comunidades quilombolas, isso mesmo, é dever da CONAB fazer as cestas chegarem até a comunidade a ser beneficiada, assim como é dever do INCRA fazer chegar as cestas aos assentamentos e a FUNAI às aldeias indígenas. Só que não foi bem isso que passou a ocorrer. Primeiro, as cestas nunca foram entregues nas comunidades quilombolas, desde a primeira distribuição as comunidades através de suas associações fazem suas “vaquinhas” para pagar o frete do caminhão que vem pegar os alimentos na sede da CONAB em Santarém para assim levar para os quilombos. Segurança alimentar e tirar o suado dinheiro do bolso dos quilombolas para garantir essa segurança estão intrinsecamente ligados, nesse Programa. Vale lembrar que também no início esses alimentos não eram recebidos pela CONAB de Santarém, as comunidades haviam que correr atrás de galpões com um e outro para receber as cestas, assim certa vez a SEMAB os recebeu em algum lugar que não me recordo agora.

De 2006 a 2007 muitas mendicâncias foram realizadas, aí muitos foram “solidários” e nos ajudaram  a fazer com que as cestas chegassem até Santarém. Situação pior foi em 2008 quando as comunidades quilombolas tiveram que desembolsar cerca de R$ 3.000,00 para pagar o frete de uma embarcação para transportar esses alimentos de Belém à Santarém, e mais o frete de Santarém para as comunidades, pois a CONAB alegou de que não havia transporte disponível para trazer os mesmos e se as comunidades quisessem que os fosse pegar em Belém, foi desse jeito! Depois do ocorrido e de muita reclamação feita durante a oficina de Belém a garantia de entrega dos alimentos da CONAB de Belém, que na verdade fica localizada em Ananideua, até Santarém ficou resolvida, porém fazê-las chegar às comunidades, isso ficou do mesmo jeito.

Com o crescimento populacional das comunidades quilombolas e o reconhecimento de mais quatro comunidades quilombolas em Santarém, naturalmente, as novas famílias quiseram ser inseridas no programa e não puderam porque segundo o MDS eles trabalham com mesma previsão de atendimentos que foi realizado em 2003, impossibilitando a entrada de novas famílias, mais um problema para as lideranças quilombolas resolverem, porque para não desagradar as demais famílias, solidariamente, se começou a dividir as cestas com as demais que ficaram de fora, e mais problemas surgiram.

Como de costume, neste mês de outubro a Federação das Organizações Quilombolas de Santarém – FOQS, responsável legal pelo recebimento das cestas, foi comunicada à respeito da chegada de mais duas etapas das benditas cestas de alimentos, e mais uma vez todo mundo sai correndo para fazer a “vaquinha” para pegar as cestas de alimentos que estavam no armazém da CONAB em Santarém, fomos informados na terça-feira, 26/10, fomos apresentados ao responsável do SESC de Belém, dessa vez responsável pela entrega dos alimentos na quinta-feira, 28/10, e na sesta-feira, 29/10 todos contentes fomos pegar as cestas de alimentos na CONAB. No entanto ninguém lembrou que no domingo, 31/10 fosse ocorrer a preciosíssima eleição, talvez porque quem tem fome não se preocupa em pensar, somente e comer, e despercebidos do perigo fomos todos para lá.

E aí mais um capítulo da novela começou, prontos para saírem com seu caminhão que iria levar os alimentos até o barco que depois seguiria para a comunidade quilombola de Arapemã foram impedidos de sair. A Polícia Federal com seus agentes pararam tudo e foram levando a liderança quilombola do Arapemã, seus carregadores, o motorista, o caminhão e o presidente da FOQS para prestar esclarecimentos a respeito daquela situação, pois havia sido feita uma suposta denúncia anônima que dizia que pessoas estavam recebendo cestas básicas em troca de voto e que por isso o senhor procurador eleitoral havia mandado fazer verificação.

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Minha gente, por favor!!!!!!!!!!!!!!!!!!! É pra rir porque chorar não dá mais. Todos atônitos sem entender ao certo o que estava ocorrendo ficaram esperando o presidente da FOQS prestar esclarecimentos. Faço lembrar aqui que estavam os seis caminhões das comunidades contratados, seis diárias pagas à toa, é ... dinheiro daquela “vaquinha” mesmo! O pessoal das comunidades quilombolas que estava desde as 7h descarregando e carregando os alimentos do caminhão da transportadora para o armazém da CONAB para contagem e depois para os caminhões contratados pelas comunidades, ficaram, uma parte, até ás 15h, com fome, os outros tiveram que ficar para descarregar os dois caminhões que a Polícia Federal havia embargado até ás 17h. Desfecho: talvez quarta-feira, 03/11, o juiz dê seu parecer quanto a liberação das cestas. Isto é DESENVOLVIMENTO SOCIAL E COMBATE A FOME, isto é FOME ZERO, isto é SEGURANÇA ALIMENTAR E NUTRICIONAL, isto é SOBERANIA ALIMENTAR!

Senhor, dai pão a quem tem fome e fome de justiça a quem tem pão, mas por favor Deus, não nos mande esse pão vésperas da eleição porque senão teu pão vira voto e aí a gente continua ffff....... faminto! Amém!



Por: Aldo Lima



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