O Cordão de Pássaro
Tachã foi premiado pelo Edital Apoia 2021, da Casa da Cultura de Canaã dos
Carajás, com apoio do Instituto Cultural VALE. A premiação reconhece e
incentiva as expressões da cultura popular por todo o Brasil. Entre os 132
premiados de todo os 24 estados brasileiros e o Distrito Federal, está o Cordão
de Pássaro Tachã, do quilombo Bom Jardim, município de Santarém.
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Integrantes do Cordão do Tachã. Foto: Jaime Carvalho, 2021 |
Um pouco da
história do Cordão de Pássaro Tachã
O primeiro cordão de
pássaro denominado Tachã em Santarém foi criado no quilombo de Saracura, em
meados da década de 1960, por um senhor conhecido como Sabino. Ele escolheu
apenas homens para compor o Tachã, em função do tom grave e forte de suas
vozes, e passou a ensaiá-los num espaço denominado Casa Branca – um grande
barracão todo fechado, feito de madeira e pintado de branco, o qual pertencia à
família Coelho[2], proveniente da
região de Aracampina, e então residente em Saracura.
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O Pássaro Tachã Foto: Jaime Carvalho, 2021. |
A Casa Branca tinha
como finalidade a realização das festas do quilombo. Conta-se que Sabino o
teria alugado para realizar os ensaios do Tachã a portas fechadas, para que
ninguém pudesse ver o grupo antes de ele estar “muito bem ensaiado”. Nessas
ocasiões, só os brincantes podiam entrar na Casa Branca, mas o senhor Ribeiro
(vulgo Têfo), na época com mais ou menos 10 anos, conseguiu adentrar o espaço
por intermédio de seu tio, Lucimar dos Santos, com a condição de que ficasse
quieto e sem atrapalhar os ensaios.
Como resultado de tantos ensaios, o Tachã de Saracura
chegou a alcançar reconhecimento no quilombo e fora dele. Chamavam atenção os
personagens do grupo:
“É um grupo de pessoas que se vestiam e representavam
na rua, ‘tinha o camponês que era o chefe da quadrilha, tinha assaltado, tinha
medico, tinha curador, tinha adivinhão, tudo tinha naquele meio né, cada qual
tinha seu papel, e tem ainda’. Acontecia no mês de julho. O cordão era um
bloco, mas as pessoas davam o nome de cordão de pássaro. ‘E até eu dizia um dia
desses, acho que não é à toa não que nós somos negros já vem de muito tempo’
(risos) [...]”. (INCRA, 2008b, p. 97).
Como narrou o senhor Aldo Santos na ocasião de uma
entrevista para o Relatório Técnico de Identificação e Delimitação do quilombo
de Saracura, em 2004, o Tachã era considerado um bom cordão de pássaro: “A gente via até por lá essas coisas, os
negros do Saracura tão com cordão na rua, o cordão deles é bom”. Sabino,
por sua vez, com sua facilidade de compor as comédias e cantigas do cordão de
pássaro, foi tido como “um professor, porque tinha uma educação, um saber de
berço”. Contudo, apesar do sucesso, o Tachã de Saracura deixou de brincar após
um único ciclo de apresentações e foi dado por “morto”.
Nessa época, Ribeiro, que já havia vivido em Belterra
e Itaituba, retornou para Santarém e, em seguida, entre 1963 e 1964,
transferiu-se para Bom Jardim, com aproximadamente 13 ou 14 anos de idade.
Nesse quilombo, então, surgiria, na passagem para a década de 1970, um novo cordão de pássaro Tachã, desta vez organizado
por Ribeiro. Afinal, vendo e ouvindo tantos ensaios comandados pelo antigo
“professor” e mestre, ele guardou na memória o que viria a reproduzir no seu
novo quilombo de morada.
Em função da característica
extrovertida de Ribeiro, uma senhora chamada Ana tomou a iniciativa de
convidá-lo para ser cabeça do cordão de pássaro
que ela desejava “por para brincar”. Ribeiro aceitou o convite e, como cabeça,
teve o direito de escolher o nome do pássaro que o cordão deveria adotar. Foi
então que se lembrou do Tachã de Saracura, das comédias e cantigas aprendidas
durante os ensaios na Casa Branca. Assim, em meados da década de 1970, no
quilombo de Bom Jardim, nasceu o novo Cordão de Pássaro Tachã. Era idêntico,
mas não era igual. (CUNHA, 2012).
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Isabel dos Santos e Raimundo Ribeiro (Mestre do Tachã) Foto: Jaime Carvalho, 2021. |
Era idêntico porque o
Tachã de Bom Jardim manteve a estrutura do Tachã de Saracura; estrutura essa
que se encontra nas comédias, cantigas, personagens e brincantes, de uma forma geral,
e que se encontra em uma ordem interna de composição. No entanto, não era
igual, porque o Tachã de Bom Jardim fez algumas modificações na composição do
grupo: escolheu uma menina (e não um menino, como em Saracura) para carregar o
Tachã na cabeça, diante da justificativa de que em Bom Jardim não havia meninos
que quisessem dançar ou “voar” com a mesma desenvoltura vista em Saracura; e
introduziu uma fila composta por mulheres para formar pares com os homens.
Segundo eles, essa medida visava aumentar o número de brincantes quando necessário.
Se houvesse poucos espectadores no local onde o Tachã se apresentasse, poucos
brincantes eram suficientes para “animar a festa” após a apresentação.
Naquela época, o cordão possuía de 40 a 60 componentes e sempre agregava
mais brincantes a cada ciclo festivo, desde os ensaios até as apresentações.
Passou a atrair tantas pessoas, que certa vez necessitou de um espaço para
ensaiar, livre da interferência de visitantes. Enfim, foi em uma apresentação
no barracão de Santo Antônio, na comunidade de Jacamim, que o Tachã foi
reconhecido como igual ao de Saracura.
Quanto
mais nós ensaiávamos mais a notícia corria, e mais gente se aproximava para
querer brincar. Quando chegavam, que viam: ‘Rapaz, esse pássaro vai ser muito
bonito’. E aí o que aconteceu? O tio Lucimar arrendou, alugou a sede do Santo
Antônio, no Jacamim pra fazer uma festa, então a gente ia fazer um ensaio geral
lá no Jacamim. Tá. Aí acertamos tudo com os brincante, tava tudo mascado,
palhaço... tava tudo bacana, quando
foi no dia, vumbora! Chegamos lá [...], [...] aí se preparemo na hora de
brincar...espera o carro da cidade..., não chegô. Vamo se apresentar?! Vamos!
De lá a gente ia pro Murumurutuba, eu ia pra uma festa..., aí fomo, dancemo,
quando foi na hora do irmão dela atirar no pássaro, não tinha onde. Era com
pólvora, e pra todo lado que ele rodava tinha gente pendurada, moleque
pendurado no caibro e já tinha gente na fila com nós. Ele queria atirar e não
tinha onde, já tava passando de hora e a gente repetindo, aí ele atirou no rumo
do moleque..., pêi! O moleque deu um grito, né. Quando terminou aí todo mundo
aplaudiu. Poxa vida, essa brincadeira tá de tirar o fôlego! Quando nós tiremo a
roupa, que a Ana tava guardando, que era pra nós vim embora [...], [...] chegou
o carro da cidade, naquele tempo era caminhão que carregava o pessoal pra
festa, não era ônibus não, que não tinha. [...] aí o Nem disse: _ Lucimar cadê
o pássaro, o Tachã que vai dançar aqui? _ Rapaz, já dançou. _Ah, não, nós quer
ver se tá igual o da Saracura! Cadê o cabeça, quem é o dono? Aí me chamaram com
a Ana. A Ana não tinha pavulagem. _Bora dançar, Têfo? _Vamo! Aí chamei todo
mundo, assoprei o refiri, todo mundo. _Vamos se vestir rápido! Ai foi que deu
gente... que nós não podia nem dançar. Rapaz, quando terminou, foi aplauso, me
carregavam e ... _Pelo amor de Deus!
Rapaz, tá igual o pássaro da Saracura [...] (Raimundo Ribeiro dos Santos;
64 anos; comunidade quilombola de Bom Jardim; 13.04.2015, grifo nosso)
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Isabel dos Santos (Quintino) Foto: Jaime Carvalho, 2021. |
Ao contrário do que
ocorreu em Saracura, em Bom Jardim o Tachã completou uns cinco ou seis ciclos
festivos. Sua última retomada
de apresentação, em 2005 aproximadamente, fora organizada, entre outros
objetivos, para fazer frente à afirmação do RTID de que havia no quilombo “uma
forte invasão de outras culturas e afastamento da cultura original dos escravos
na questão do folclore”.
Após
esse ocorrido, o Cordão em
2008, foi premiado por meio do edital do Programa Mais Cultura de Apoio a Microprojetos
na Amazônia Legal e em 2013 pelo Prêmio FUNARTE DE ARTE NEGRA. Em 2010 se
apresentou durante o V Fórum Social Pan Amazônico, em Santarém e em 2015, na
edição do Arraial de Todos os Santos ocorrido no município de Óbidos.
O
Cordão de Pássaro Tachã tem sido o único cordão de bicho ativo, em atividade,
por toda Santarém, por isso é muito importante que cada vez mais se fortaleça
esse tipo de expressão da cultura popular. E viva a cultura popular! Viva a
cultua quilombola viva!
Confira o Etnodocumentário sobre o Cordão de Pássaro Tachã: https://www.youtube.com/watch?v=0gAXIfRRN3o