sexta-feira, 10 de junho de 2022

CORDÃO DE PÁSSARO TACHÃ É PREMIADO PELO EDITAL APOIA 2021 DA CASA DA CULTURA DE CANAÃ DOS CARAJÁS - ICV

 


O Cordão de Pássaro Tachã foi premiado pelo Edital Apoia 2021, da Casa da Cultura de Canaã dos Carajás, com apoio do Instituto Cultural VALE. A premiação reconhece e incentiva as expressões da cultura popular por todo o Brasil. Entre os 132 premiados de todo os 24 estados brasileiros e o Distrito Federal, está o Cordão de Pássaro Tachã, do quilombo Bom Jardim, município de Santarém.

 

Integrantes do Cordão do Tachã.
Foto: Jaime Carvalho, 2021

Um pouco da história do Cordão de Pássaro Tachã[1]

O primeiro cordão de pássaro denominado Tachã em Santarém foi criado no quilombo de Saracura, em meados da década de 1960, por um senhor conhecido como Sabino. Ele escolheu apenas homens para compor o Tachã, em função do tom grave e forte de suas vozes, e passou a ensaiá-los num espaço denominado Casa Branca – um grande barracão todo fechado, feito de madeira e pintado de branco, o qual pertencia à família Coelho[2], proveniente da região de Aracampina, e então residente em Saracura.

O Pássaro Tachã
Foto: Jaime Carvalho, 2021.


A Casa Branca tinha como finalidade a realização das festas do quilombo. Conta-se que Sabino o teria alugado para realizar os ensaios do Tachã a portas fechadas, para que ninguém pudesse ver o grupo antes de ele estar “muito bem ensaiado”. Nessas ocasiões, só os brincantes podiam entrar na Casa Branca, mas o senhor Ribeiro (vulgo Têfo), na época com mais ou menos 10 anos, conseguiu adentrar o espaço por intermédio de seu tio, Lucimar dos Santos, com a condição de que ficasse quieto e sem atrapalhar os ensaios.

Como resultado de tantos ensaios, o Tachã de Saracura chegou a alcançar reconhecimento no quilombo e fora dele. Chamavam atenção os personagens do grupo:

 

“É um grupo de pessoas que se vestiam e representavam na rua, ‘tinha o camponês que era o chefe da quadrilha, tinha assaltado, tinha medico, tinha curador, tinha adivinhão, tudo tinha naquele meio né, cada qual tinha seu papel, e tem ainda’. Acontecia no mês de julho. O cordão era um bloco, mas as pessoas davam o nome de cordão de pássaro. ‘E até eu dizia um dia desses, acho que não é à toa não que nós somos negros já vem de muito tempo’ (risos) [...]”. (INCRA, 2008b, p. 97).

 

Como narrou o senhor Aldo Santos na ocasião de uma entrevista para o Relatório Técnico de Identificação e Delimitação do quilombo de Saracura, em 2004, o Tachã era considerado um bom cordão de pássaro: “A gente via até por lá essas coisas, os negros do Saracura tão com cordão na rua, o cordão deles é bom”. Sabino, por sua vez, com sua facilidade de compor as comédias e cantigas do cordão de pássaro, foi tido como “um professor, porque tinha uma educação, um saber de berço”. Contudo, apesar do sucesso, o Tachã de Saracura deixou de brincar após um único ciclo de apresentações e foi dado por “morto”.[3]

Nessa época, Ribeiro, que já havia vivido em Belterra e Itaituba, retornou para Santarém e, em seguida, entre 1963 e 1964, transferiu-se para Bom Jardim, com aproximadamente 13 ou 14 anos de idade. Nesse quilombo, então, surgiria, na passagem para a década de 1970,[4] um novo cordão de pássaro Tachã, desta vez organizado por Ribeiro. Afinal, vendo e ouvindo tantos ensaios comandados pelo antigo “professor” e mestre, ele guardou na memória o que viria a reproduzir no seu novo quilombo de morada.

Em função da característica extrovertida de Ribeiro, uma senhora chamada Ana tomou a iniciativa de convidá-lo para ser cabeça[5] do cordão de pássaro que ela desejava “por para brincar”. Ribeiro aceitou o convite e, como cabeça, teve o direito de escolher o nome do pássaro que o cordão deveria adotar. Foi então que se lembrou do Tachã de Saracura, das comédias e cantigas aprendidas durante os ensaios na Casa Branca. Assim, em meados da década de 1970, no quilombo de Bom Jardim, nasceu o novo Cordão de Pássaro Tachã. Era idêntico, mas não era igual. (CUNHA, 2012).


Isabel dos Santos e Raimundo Ribeiro (Mestre do Tachã)
Foto: Jaime Carvalho, 2021.

Era idêntico porque o Tachã de Bom Jardim manteve a estrutura do Tachã de Saracura; estrutura essa que se encontra nas comédias, cantigas, personagens e brincantes[6], de uma forma geral, e que se encontra em uma ordem interna de composição. No entanto, não era igual, porque o Tachã de Bom Jardim fez algumas modificações na composição do grupo: escolheu uma menina (e não um menino, como em Saracura) para carregar o Tachã na cabeça, diante da justificativa de que em Bom Jardim não havia meninos que quisessem dançar ou “voar” com a mesma desenvoltura vista em Saracura; e introduziu uma fila composta por mulheres para formar pares com os homens. Segundo eles, essa medida visava aumentar o número de brincantes quando necessário. Se houvesse poucos espectadores no local onde o Tachã se apresentasse, poucos brincantes eram suficientes para “animar a festa”[7] após a apresentação.

Naquela época, o cordão possuía de 40 a 60 componentes e sempre agregava mais brincantes a cada ciclo festivo, desde os ensaios até as apresentações. Passou a atrair tantas pessoas, que certa vez necessitou de um espaço para ensaiar, livre da interferência de visitantes. Enfim, foi em uma apresentação no barracão de Santo Antônio, na comunidade de Jacamim, que o Tachã foi reconhecido como igual ao de Saracura.

 

Quanto mais nós ensaiávamos mais a notícia corria, e mais gente se aproximava para querer brincar. Quando chegavam, que viam: ‘Rapaz, esse pássaro vai ser muito bonito’. E aí o que aconteceu? O tio Lucimar arrendou, alugou a sede do Santo Antônio, no Jacamim pra fazer uma festa, então a gente ia fazer um ensaio geral lá no Jacamim. Tá. Aí acertamos tudo com os brincante, tava tudo mascado, palhaço... tava tudo bacana, quando foi no dia, vumbora! Chegamos lá [...], [...] aí se preparemo na hora de brincar...espera o carro da cidade..., não chegô. Vamo se apresentar?! Vamos! De lá a gente ia pro Murumurutuba, eu ia pra uma festa..., aí fomo, dancemo, quando foi na hora do irmão dela atirar no pássaro, não tinha onde. Era com pólvora, e pra todo lado que ele rodava tinha gente pendurada, moleque pendurado no caibro e já tinha gente na fila com nós. Ele queria atirar e não tinha onde, já tava passando de hora e a gente repetindo, aí ele atirou no rumo do moleque..., pêi! O moleque deu um grito, né. Quando terminou aí todo mundo aplaudiu. Poxa vida, essa brincadeira tá de tirar o fôlego! Quando nós tiremo a roupa, que a Ana tava guardando, que era pra nós vim embora [...], [...] chegou o carro da cidade, naquele tempo era caminhão que carregava o pessoal pra festa, não era ônibus não, que não tinha. [...] aí o Nem disse: _ Lucimar cadê o pássaro, o Tachã que vai dançar aqui? _ Rapaz, já dançou. _Ah, não, nós quer ver se tá igual o da Saracura! Cadê o cabeça, quem é o dono? Aí me chamaram com a Ana. A Ana não tinha pavulagem. _Bora dançar, Têfo? _Vamo! Aí chamei todo mundo, assoprei o refiri, todo mundo. _Vamos se vestir rápido! Ai foi que deu gente... que nós não podia nem dançar. Rapaz, quando terminou, foi aplauso, me carregavam e ... _Pelo amor de Deus! Rapaz, tá igual o pássaro da Saracura [...] (Raimundo Ribeiro dos Santos; 64 anos; comunidade quilombola de Bom Jardim; 13.04.2015, grifo nosso)

 

Isabel dos Santos (Quintino)
Foto: Jaime Carvalho, 2021.

Ao contrário do que ocorreu em Saracura, em Bom Jardim o Tachã completou uns cinco ou seis ciclos festivos.
[8] Sua última retomada de apresentação, em 2005 aproximadamente, fora organizada, entre outros objetivos, para fazer frente à afirmação do RTID de que havia no quilombo “uma forte invasão de outras culturas e afastamento da cultura original dos escravos na questão do folclore”.

Após esse ocorrido, o Cordão em 2008, foi premiado por meio do edital do Programa Mais Cultura de Apoio a Microprojetos na Amazônia Legal e em 2013 pelo Prêmio FUNARTE DE ARTE NEGRA. Em 2010 se apresentou durante o V Fórum Social Pan Amazônico, em Santarém e em 2015, na edição do Arraial de Todos os Santos ocorrido no município de Óbidos.

O Cordão de Pássaro Tachã tem sido o único cordão de bicho ativo, em atividade, por toda Santarém, por isso é muito importante que cada vez mais se fortaleça esse tipo de expressão da cultura popular. E viva a cultura popular! Viva a cultua quilombola viva!

Confira o Etnodocumentário sobre o Cordão de Pássaro Tachã: https://www.youtube.com/watch?v=0gAXIfRRN3o



[1] LIMA, Aldo Luciano Corrêa de. Pássaro Tachã: uma análise de um cordão de pássaro. Trabalho de Conclusão de Curso (Graduação) – Universidade Federal do Oeste do Pará, Instituto de Ciências da Sociedade, Programa de Antropologia e Arqueologia. Santarém, 2015.

[2] Lauro Coelho, Rosa Coelho e Luciana Coelho.

[3] Após as apresentações dos cordões de pássaro (concentradas no mês de junho e, às vezes, julho) costumava-se “matar” o pássaro. Essa morte simbólica encerrava o clico de apresentações do cordão naquele ano, mas era possível que em outro ano – não necessariamente no ano seguinte – o cordão fosse posto novamente para brincar. No caso do Tachã de Saracura, isso não mais ocorreu.

[4] Não se tem a data exata de criação do cordão em Bom Jardim. O próprio Ribeiro indica as décadas de 1960-1970 como período de origem do grupo.

[5] O cabeça tem a função de conduzir o cordão durante a apresentação e de coordenar o grupo de forma geral. No caso de Ribeiro além dele ter se tornado o cabeça ou amo do Tachã, ele também tornou-se o cabeça da fila dos homens, que também possui a função de conduzir esta fila.

[6] O termo brincante é usado em várias expressões culturais populares comumente chamadas, na literatura sobre o folclore brasileiro, de folguedos, danças dramáticas ou brincadeiras (CARVALHO, 2011). Como essa autora afirma sobre o contexto do bumba meu boi, o termo é genericamente aplicado aos integrantes dessas expressões. Neste trabalho, porém, refletindo o uso local do termo, por brincante referir-se-á a uma parte dos integrantes do cordão que não desempenham um personagem específico e que têm entre suas funções principais cantar e dançar. Os demais componentes do grupo, quando não identificados pelos personagens específicos que assumem, serão genericamente designados como integrantes, para fins de não confundir o leitor.

[7] É muito comum nas festas de comunidades em Santarém, fretar-se algum transporte e convidar as pessoas, casais, jovens, etc., da comunidade para participarem das festas e festividades em uma outra comunidade. Se a resposta for positiva ao convite feito pela comunidade anfitriã, a mesma tem a obrigação de “pagar a visita” à outra comunidade em suas festas, festividades ou outro evento promovido por ela. Sendo a relação sempre equivalente: de festa para festa (“profana”), torneio para torneio (futebol), festividade para festividade (festa do santo padroeiro), etc.

[8] Os ciclos a que me refiro aqui não correspondem a um período contínuo e anual de apresentações, mas sim a períodos irregulares em que o cordão se apresentava e depois, por algum motivo que para mim não foi revelado, se parava de brincar e em seguida, em outras ocasiões a brincadeira era retomada novamente. Uma dessas retomadas ocorre justamente em 2005 por conta do RTID de Bom Jardim e que até hoje não se deixou de brincar.


Texto: Aldo Luciano Corrêa de Lima (Antropólogo e produtor cultural)

Coordenador do Ponto de Cultura Kizomba.

PARCERIA ENTRE DEEQ, FOQS E PC KIZOMBA, JUNTOS POR UMA EDUCAÇÃO QUILOMBOLA DE QUALIDADE





Escola São Pedro - Quilombo Bom Jardim.
Foto: Aldo Lima, 2022.


Escola São Pedro - Quilombo Bom Jardim.
Foto: Aldo Lima, 2022.

Escola São Pedro - Quilombo Bom Jardim.
Foto: Aldo Lima, 2022.

Durante o mês de maio a Divisão de Educação Escolar Quilombola – DEEQ, da Secretaria Municipal de Educação e Desporto (SEMED) de Santarém, esteve realizando em parceria com a Federação das Organizações Quilombolas de Santarém (FOQS) e Ponto de Cultura Kizomba um circuito de rodas de conversas sobre os valores afro-brasileiros desenvolvidos no espaço escolar e no quilombo como um todo.

Escola Afroamazônida (N. Sra. da Guia) - Quilombo Murumuru.
Foto: Aldo Lima, 2022.

Escola Afroamazônida (N. Sra. da Guia) - Quilombo Murumuru. 


As rodas de conversas ocorreram durante as visitas administrativo-pedagógicas da DEEQ às escolas quilombolas da região do planalto santareno. Das visitas participaram, além da coordenação da DEEQ, Leandro Laurindo e Márcio Guimarães, o presidente da FOQS, Mário Pantoja, a secretária da FOQS, Miriane Coelho e produtor cultural e o coordenador do Ponto de Cultura Kizomba, Aldo Lima. 

Escola São Sebastião - Quilombo Murumurutuba.
Foto: Aldo Lima, 2022.

Escola São Sebastião - Quilombo Murumurutuba.
Foto: Aldo Lima, 2022.


Essas rodas de conversas foram muito importantes para verificar o nivelamento de implementação da Lei 10.639/2003 que orienta o estudo da história e cultura afrobrasileira e africanas nas escolas públicas e privadas em todo o país.

Durante a visita na Escola Santa Maria - Quilombo Patos do Ituqui.
Foto: Márcio Guimarães, 2022.

Visita à Escola Santa Maria - Quilombo Patos do Ituqui.
Foto: Aldo Lima, 2022.

Escola São João Batista - Quilombo Tiningu.
Foto: Aldo Lima, 2022.

Escola São João Batista - Quilombo Tiningu


Texto: Aldo Luciano Corrêa de Lima (antropólogo e coordenador do Ponto de Cultura Kizomba).